sexta-feira, 18 de junho de 2010


Ensinou-me que as palavras não dão conta do que querem falar. Que os escribas não precisam temer. Que entonação e pontuação não se determinam. Que o deboche é uma arma poderosa contra as injustiças. Que se pode falar do grave subtilmente. Que a linguagem sempre está em movimento. Que os escritos são únicos e incomparáveis. Que não há distinção entre o quê e como se fala. Que as conversas das mulheres mantém o mundo em sua órbita. Que a História pode ser contada pelos oprimidos. Que a morte só é obscura se não sabemos por que vivemos. Que uma simples história de amor carrega o peso do mundo. Que na pós modernidade ainda há espaço para intelectuais revolucionários. Que a velhice é apenas uma fase da maturidade. Que o fardo dos escravos cria novas possibilidades. Que o tempo da palavra não é o tempo de sua comunicabilidade.
Poderia aprender tudo isso com outros pensadores, com livros densos e herméticos, mas me fez apreender tudo isso ao ritmo de um belo e simples fado.

quinta-feira, 17 de junho de 2010




Um dia te conheci e nesse dia te amei
Outro dia te precisei e nesse dia te cansei
Mais um dia veio e não te notei, nesse dia te decepcionei
Teve um dia em que chorou, nesse dia te acarinhei
E assim nos apaixonamos
Paixão louca, que como paixão que é, vício sempre foi
E nessa coisa de se apaixonar nossas doenças se quiseram
E as libertamos para que pudessem contaminar a todos, que nunca são os outros
Para que pudessem nos dominar e assim podermos nos praticar

sábado, 12 de junho de 2010

Do Fim ao Afim


Não há prazer que permaneça
Não há dor que perdure
Não há dia que esclareça
Não há leveza que dure
Não há abraço que aqueça
Não há revolução que cure
Não há lugar que apeteça
Não há ponta que fure
Não há tempo que esqueça
Não há esperança que jure
Há apenas assim
A certeza do fim
Do amor que adote
O desejo da morte
Que é sempre sentido
Que não é argüido
Que nunca é ilusão
Que há tempo demais pulsão
Natural, passional, amoral
Que não agora
Que não há hora
Que não anterior
Só ulterior, posterior enfim.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Um Dezembro tão longo quanto qualquer outro.


Vem que eu te quero,
Vem que eu te espero.
Já que tua vinda não se evita
Já na insistência de tua presença,
Já minha vida,de idas e vindas,
Não é mais desejo
É o querer de sua mão fria
que calará essa catexia,
Que já não mais existia.
Exatamente no momento quente de minha vida,
Que já não és tão bem vinda.
Se não se morre em morte
o pior é morrer em vida.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Insônia


É noite que vira dia, que vira noite para o dia que virá. O tempo que passa na noite que é dia; dia não será, posto que noite venha durante o dia que anseia a noite para que seja noite e não mais dia na noite. Mas noite que não é noite, dia não será. Pois dessa oposição do dia com a noite que dia se faz noite e noite dia, todo dia. De ser cultural que conta as horas passa a animal sensitivo que necessita da noite como noite e não mais dia. Ser diurno que nem mesmo os milênios de culturalização modificam tal condição. Mas cria a angústia da noite que vira dia, que virá noite, que dia virá.

terça-feira, 1 de junho de 2010

"Faça como o velho marinheiro..."


É partindo de onde estou que vou navegar. Para onde não sei ainda. Ao desnudar minhas velas, recolher minhas âncoras, não serei eu a impor a firmeza ao leme. Opero o barco, ele me leva, o mar me carrega. Indiferente e forte. Não pretendo controlar essa força. Não me iludirei. Que o mar me iluda. Não vou me impor a ele, parte dele já sou. Preciso dos tempos que não conheci para entender essa parte do todo que sou. O sentido eu dou, a direção a vida me dá.

O que é mesmo?


Com o lugar cheio, os barulhos se confundem. Máquinas, pessoas, pressas, apitos, motores, vozes, gritos. Tudo na mais perfeita das normalidades, ou seja, tudo tão falso e experimentável quanto a perfeição e a normalidade. Nos meus pensamentos os problemas reais, Qual conta a pagar? Que horas é minha consulta? Sobre o que é o trabalho mesmo? Amanhã largo que horas? Essa fila não anda, vai dar tempo? Um menino desses que chamamos de moleque, desses neguinhos, marrom, pardo ou mulato, invisível por assim dizer, que pede por assim pedir. Quer um brilho? Então me dá uns trocados tio? O alto falante do carro do sindicato anuncia, Só com a democratização da comunicação podemos pensar num país mais justo e democrático. Saco minhas moedas e entrego sem olhar para poder não ver. A mesma frase mais uma vez ecoa, Só uma revolução para salvar essa galera! Que horas que eu marquei mesmo?


Te quero gostosa, amorosa, carinhosa, manhosa, beijar tua rosa mimosa, tua prosa por vezes até ardilosa, desejosa mesmo na fossa, mesmo quando posa de pomposa ou de idosa.

diálogo ou lei do terceiro excluído? Pensem nos quartos!


Pouco à vontade de tanta vontade,
De tanto desejar teu desejo me perco no que crio,
E de teu desejo pouco me animo,
No calendário da lua teus dias são todos, falta o dia em que és todo,
Nas noites cheias me envaideço,
Nos dias novos te busco para me encontrar.
Obvio? Mas, porque não seria obvio amar?
Critico-me para me sustentar. Não há mudanças.
Manterei assim até que a vida se aposse de mim ou se acabe em mim
Não há grandes diferenças entre viver ou morrer, se não fosse a oposição.
Vivo muito, aos poucos morro no desejo de ti,
Desejo, que de tão meu, não quero mais desejar
No desejo há vida, se ele se realiza deixa de existir, morre.
Por isso não quero mais te desejar, para não te ter e parar de desejar você.
E se no desejo de outrem me faço, no teu me calo
Não te importas meu desejo, ele é meu.
E o teu se é por mim guarda para ti
As leis do pensamento parecem só permitir desejar o que não se tem.
Por isso desejas meu desejo?
Ou não há desejo no que já tens?
O que já tenho não é desejo é realização.
Mas não quero me realizar, desejo que ainda não consegui conquistar.
Mas também, há muito de mentira nisso ou de contraditório.
Amo me realizar, só não sei se amor é desejo ou um lugar gostoso de estar.