domingo, 27 de março de 2011

Das dores


Nome nenhum seria melhor;
Quieta em seu canto não esconde sua alcunha,
Quando se mostra não desonra seu batismo.
E se vem feliz a cantar pelos cantos das Geraes,
A contra pêlo não nega seu chamado.
Quando encontrada em sua banheira,
Já fria d’alma;
Epitáfio de Maria,
Que depois de morta se redime.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Diálogos de ateu


Oh Deus, quando me for, o que será de Ti?
Foste Deus em vida, em morte o que será?
Nunca Te imaginei hermafrodita ou luz;
Sempre vi em Ti um capuz,
De serventia para cobrir pensamentos humanos,
E também tem barbas o que me sugere Teu gênero.
Apesar de não ser quem venero,
Me fez crescer cem anos.
És misticamente secular
E eu não sou em par,
Neste tempo circular
Que mantém teso o arco de Tua existência.

Oh Deus, Te pergunto, o que será de Ti?
Vermes virão de mim se nutrir,
Mas Tu ainda estarás aí?
Escondido em Verdades inquestionáveis,
Confessado por bocas indiscutíveis,
Cantado apenas por permissíveis?
Já Te mataram nas artes, filosofias e ciências,
E apenas eu, ateu, permaneço em Tua crença,
Pois quem veio ao mundo em Tua defesa,
Fica cego de tantas certezas.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Verdade do amor ou dos fatos?


A verdade do amor não é a verdade dos fatos.
Até mesmo o desejo não é a verdade de si.
Quando digo que te amo não é apenas para ti,
Digo isso esperando, para mim, o pós-ato.

Se alguma vez foste objeto do meu amor, ou do meu calor, não foi à toa.
Isso só reforça teu compromisso,
Pois quando te falo, te provoco, te atiço.
E assim não és mais passiva, não és apenas meu cismo.

É que sou carente do toque, da textura do verbo.
Amo tanto para ser amado,
Desejo para ser desejado.
Se do teu coração sou despejado,
Saio trôpego, cambaleante.
Mas se em posterior instante me mostro vibrante,
Não quer dizer que eu me manifeste ao primeiro semblante.

Amo demais, mais que deveria,
Menos do que gostaria;
Portanto se ouvir de minha boca o amor dirigido aos teus ouvidos,
É que meu coração já explodiu inteiro, não está dividido.
Se autônomo se movimenta meu ser emotivo
É por ser tu, apenas tu, o meu motivo.

Diálogos de vulcão ou reminiscência de amor.


I
Se me escondo no que não me afeta
Crio belas trincheiras de mim;
Quando vou de encontro ao que me inquieta,
Caio numa covardia sem fim.

Mas o que importa se somos apenas personas?
Se o que aparentamos é o que somos?
Se não há um Eu puro, se sempre se relaciona
Com o Outro e por mim me tomo.

Vou me jogar, ser inconseqüente,
Com proteção, ou não, de gentes.
Disso não preciso estar ciente,
Nem entender esse passado tão presente.

Mas que persona criarei nesse movimento?
É isso que me angustia;
Deveria procurar em mim o meu alento,
Deixar-me tomar desse passado que me guia,
Para que meu presente se apresente,
Para que nele eu viva
Sem o peso do remanescente,
Sem parecer uma decadente diva.

Os ditos e desditos de pedra
Não evitarão essa queda;
Que não será de um precipício,
Mas desse imanente vulcão
Que não muda a antiga questão:
Entra ou não entra em erupção?


II

Ficar á vontade,
Na dança ou na escrita,
Não é algo que importe;
O importante é fazer o que te arde,
Que aí sim fará como arte.

Mesmo que pareça estranha,
Tem que se deixar à sorte,
Se levar pelo que te apanha,
Mesmo que outros não compreendam.
É o modo que se compartilha,
Mesmo que digam tênis ao invés de sapatilha.

Um vulcão pragmático,
Poucos desejam.
O maioral é prático.
A verdade que não vejam!
Que permaneçam estáticos!
Supere os que te negam,
Desrespeite o não,
Ainda mais ao entrar em erupção.

Quando jorra teu magma
E se faz em gozos,
Mostra-se além da crosta
E por tanto não vale cair em choros,
Já que é natureza exposta,
Já que se libera pelos poros.
Nisso não há vergonha!
Não há arrependimentos!
Pelo menos é assim que tento,
Para não me perder na externa moral
Nem me preocupar em ser o tal.

O pós-evento do gozo será sempre incompleto.
O desejo existe na busca
Quando explode seu ímpeto,
O que queria se ofusca;
Perde seu sentido e esconderijo.
Mas não buscá-lo é um sacrilégio,
É se submeter ao régio.
Para um ser tão poderoso,
É um desperdício de potência,
É fugir do que é gostoso,
Mesmo que disso não se tenha ciência.