terça-feira, 31 de agosto de 2010

Mais um dia?


Hoje é um dia daqueles do qual não me lembrarei; amanhã não o recordarei, ontem não o pressenti, agora ele pouco me importa. É um dia em trezentos e sessenta e cinco ou em mil ou em milhão. Eu existo, o sol existiu e a escuridão posterior não se furtará em existir. Até o tempo insiste em sua existência. O dia que não se deixou foi um sonho, mas também não foi. Não desafiou minha loucura nem aferiu minha sanidade. Não doeu nem aliviou. Um dia que não entendi posto que o ignorei. Um dia que nasceu com a predestinação de todos os dias, que é a noite, que é o fim; no entanto nele nada aconteceu, nada vi, nada percebi. Sei que esse dia existiu por uma abstração, um exercício mental, pois tudo que desse dia senti foi eu.

eu não quis enlouquecer

Se eu queria enlouquecer essa é minha chance, mas eu não quero. Então, meu amor, me desculpe se eu estiver fedendo, mas é que seus beijos trazem uma delicadeza que a vida ainda pode ter, trazem um cheiro do nordeste no ar, trazem um verão diferente, trazem a mulher que não podemos reconhecer, trazem toda a dor que já senti num traço de carinho, trazem seu cheiro e o meu. Mas será que no dia em que eu aprender a virar estrela ainda serei lua. A cozinha ainda tem cacos de vidro, por mais que limpemos e a água não é mais insípida, não me importo! Gosto dos líquidos com sabor, gosto dos sentidos, gosto quase mais deles que dos pensamentos, mas estes são também tão sentidos e tão cheios de sentido.

sábado, 28 de agosto de 2010

A festa que sumiu


Fiquei muito triste mesmo e não foi para menos! Fiquei com pena de ver a menina levar seu grande amor e esperar, esperar... para lhe mostrar aquele segredo da infância. E o lugar, as pessoas e nem o segredo apareceram, todos faltaram ao grande encontro!
As casinhas de pau-a-pique se esconderam sob enormes lonas onde ninguém podia passar, os antigos alambiques não estavam lá para levantar o cheiro da cana no ar. De que adiantou a grande saia rodada se a ciranda não tocou, para ela ninguém pode dançar. O Pau de sebo também não estava alegrando @s bêbad@s e @s equilibristas! Tudo que se viu e se mostrou não era nada daquilo que ela queria mostrar, acho até que ela nem queria ver o que viu; ela viajou horas com seu amor e ansiou para ver seus olhinhos de boneca piscando com a alegria. Mas apareceram flores, uma tão linda que foi capaz de exalar seu perfume a noite toda. Eu agradeço á flor, acho que menina também agradeceria, mas ela não sabe escrever...e se soubesse, não iria querer contar essa história. Estou desconfiada de que a menina entrou nas antigas casinhas e resolveu morar lá, só aparece ás vezes quando quer falar comigo, mas deixou uma mulher , que ela confia muito, eu ainda estou conhecendo essa mulher, ela é um pouco confusa, mas é alegre e carinhosa, aos poucos vou gostando dela também...

vamos colocar aqui um escrito que gosto muito, é da Rita Apoena

Eu não tenho cabelos vermelhos e o meu vestido não é amarelo. Eu sou só uma menina invisível, deitada na grama invisível que a moça que não sabia desenhar, não desenhou. Aquele é o menino que eu não lhe falei. Ele sempre está preso num único instante; o instante em que o moço que sabia desenhar, o desenhou.

O balão que subia as nuvens, com várias crianças chamando, teve de desviar o caminho, pois não fazia parte desse desenho. O avião que trazia uma faixa, com linda declaração de amor, teve de mudar a rota, pois neste céu azul é que não foi desenhado. O pombo-correio que veio voando de fora da imagem, bateu o bico na borda e caiu. Por isso, o menino está sempre só.

Se as crianças do balão não conseguiram. Se o avião também não conseguiu. Se nem o pombo-correio teve sucesso, como é que eu, uma menina invisível, feita de palavras, poderia chegar até ele? Foi o que passei dias e dias pensando. Então, numa de minhas viagens, ouvi dizer que uma imagem valia mais do que mil palavras. Não tive dúvidas. Abri a oficina invisível, acendi as luzes transparentes e comecei a construir este imenso abraço de palavras. De mil e duas palavras. Para, um dia, entregar a ele.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Epidêmico



A ilusão do armistício acabou. Quem eu sou e quem eu deveria ser declararam a guerra latente em mim. A história desta guerra não é contada por mortos ou sobreviventes, é cantada pelo vivente, que assim o é por não poder ser outra coisa. O louro desta disputa é a sanidade, a loucura com método; é a produção na qual a potência deve se realizar
O ser e o dever ser não se desejam mais, talvez nunca tenham se querido, nunca tenham se apaixonado. É provável que sequer se conhecessem. Impregnam meus sentidos, tentam acordar uma paz fatídica na utopia renovada e estes, num espelho sem aço e sem vidro, não vêem seus reflexos no mundo.
O capitalismo global e includente me jogou em sua roda, me deixou a queimar mansamente em sua fogueira de vaidades. A necessidade do capital excludente não me abre possibilidades, não respeita minhas liberdades. Os carinhos, a atenção, a solidariedade que me gracejam são embustes quando colididas com os interesses do lucro.
Não confio na realidade; não que eu duvide dela, apenas não consigo me exercer nela, não posso despencar meu corpo nem meu amor em seu abismo, pois sei que o fundo não chegará. E desta realidade capenga de sentido, abalroada de sinais, se ergue um castelo de cartas que meus sentimentos constroem e a vida destrói.
Nesse embate meu juízo não ajuíza, meu dever ser não se impõe, meu ser não se assossega, minha razão não reina, minha dor não cura, meus sentidos não apontam, e eu, perdido no Outro e em mim, não sei mais quem eu quero ser. Preciso relembrar por que eu quero ser.

domingo, 15 de agosto de 2010

Quando te desejo
Desaprendo a mentir,
O que em ti vejo
Me obriga a reprimir.
Procuro teu rastro,
Esforço vão,
Nesse momento castro,
Me povôo de ilusão.
Olho-me para poder te rever,
Pois o que em ti vejo
Não consigo reaver,
Não mais elejo, não mais ensejo;
É que tu com ele,
No pronome plural reto,
Rechaça minha pele
E não te acarinho, apenas me afeto.
Vejo os vossos nós,
Por que o que em ti vejo
Não é mais o nosso nós,
É com quem pelejo.
Esse pensamento que me atormenta
Não me deixa te possuir;
Mesmo quando vens sedenta
me acovardo em nos punir.
O que em ti vejo
Não reflete mais em mim;
Assusto-me com o que prevejo
O inexorável alívio do fim.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ah, mas ela é gostosa!




Se se faz de difícil é porque quer dar
Se bota as pernas de fora é para montar
Se a língua umedece os lábios, lá vai ela chupar
E os mistérios que tem, ninguém vai contar? Serão os mistérios de sua condição?
Ou serão os segredos para se proteger de seus medos?
Se arranja um novo emprego é para seduzir
Se arruma um novo amigo é para ferir
Passa um ano seduzindo para consumir e depois de consumida é desprezada.
Mas isso não é nada, sabe que é gostosa e isso é o quanto vale sua prosa.
Passa uma noite para amar e depois de correspondida é deixada.
Mas isso não é nada, sabe que é gostosa e isso é o que vale para a gozada.
E o que existirá por trás daquilo que se quer enfiar? Alguém se interessaria? Ou seria mais uma na orgia?
Mostra-se gostosa, se mostra prosa e, nesse caso, é ardilosa.
Mostra-se humana, se mostra puritana e, nesse caso, é para quem se engana.
Os homens a querem como troféu enquanto é obrigada a sonhar com um véu.
Quer ganhar a disputa e para isso é obrigada a se forjar puta.
E se por trás daquele tesão houver confusão? E se há alguém que pensa? Se é intensa?
Isso não interessa, tudo vale o quanto pesa. E o que acha não vale tanto quanto sua racha.
Quer seu lugar no mundo, mas só querem lhe enfiar fundo.
E se for profundo, mostra seu mundo. E se ele for lindo é diminuído. Não por ser tímido. É por ser gostosa e isso é tudo que deve ser querido.
E para quem serviu a libertação sexual? Para essa não, ela só quer o mal, o que fizer será amoral, pois é gostosa. Cometeu um pecado que não será perdoado. Será julgada por ser mulher. E será condenada por saber o que quer.