I
Se me escondo no que não me afeta
Crio belas trincheiras de mim;
Quando vou de encontro ao que me inquieta,
Caio numa covardia sem fim.
Mas o que importa se somos apenas personas?
Se o que aparentamos é o que somos?
Se não há um Eu puro, se sempre se relaciona
Com o Outro e por mim me tomo.
Vou me jogar, ser inconseqüente,
Com proteção, ou não, de gentes.
Disso não preciso estar ciente,
Nem entender esse passado tão presente.
Mas que persona criarei nesse movimento?
É isso que me angustia;
Deveria procurar em mim o meu alento,
Deixar-me tomar desse passado que me guia,
Para que meu presente se apresente,
Para que nele eu viva
Sem o peso do remanescente,
Sem parecer uma decadente diva.
Os ditos e desditos de pedra
Não evitarão essa queda;
Que não será de um precipício,
Mas desse imanente vulcão
Que não muda a antiga questão:
Entra ou não entra em erupção?
II
Ficar á vontade,
Na dança ou na escrita,
Não é algo que importe;
O importante é fazer o que te arde,
Que aí sim fará como arte.
Mesmo que pareça estranha,
Tem que se deixar à sorte,
Se levar pelo que te apanha,
Mesmo que outros não compreendam.
É o modo que se compartilha,
Mesmo que digam tênis ao invés de sapatilha.
Um vulcão pragmático,
Poucos desejam.
O maioral é prático.
A verdade que não vejam!
Que permaneçam estáticos!
Supere os que te negam,
Desrespeite o não,
Ainda mais ao entrar em erupção.
Quando jorra teu magma
E se faz em gozos,
Mostra-se além da crosta
E por tanto não vale cair em choros,
Já que é natureza exposta,
Já que se libera pelos poros.
Nisso não há vergonha!
Não há arrependimentos!
Pelo menos é assim que tento,
Para não me perder na externa moral
Nem me preocupar em ser o tal.
O pós-evento do gozo será sempre incompleto.
O desejo existe na busca
Quando explode seu ímpeto,
O que queria se ofusca;
Perde seu sentido e esconderijo.
Mas não buscá-lo é um sacrilégio,
É se submeter ao régio.
Para um ser tão poderoso,
É um desperdício de potência,
É fugir do que é gostoso,
Mesmo que disso não se tenha ciência.